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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O curatelado e a capacidade de testar

O curatelado e a capacidade de testar

O novo Estatuto do Deficiente conferiu à antiga teoria das incapacidades grandes mudanças estruturais e funcionais, com repercussão para os diversos ramos do Direito Civil. Conforme os arts. 114, 115, 116 e 123 da Lei n. 13.146/2015. Tanto a Parte Geral como a Parte Especial do Código Civil sofreram modificações expressas decorrentes do novel diploma.
A sucessão testamentária, ao lado da sucessão legítima, apresenta-se nos arts. 1.867 e seguintes do Código Civil, e por ela “instituem-se herdeiros ou legatários, isto é, sucessores a título universal ou particular. Concede a lei ao testador o direito de chamar à sucessão, na totalidade ou em parte da alíquota do seu patrimônio [...] que assim regula, em alto unilateral, a distribuição de seus bens, conforme sua própria vontade [...] opõe-se à sucessão legítima ou ab intestato, regida a devolução, nesta modalidade, por disposições legais”.
Sabe-se que o testamento possui características próprias, e podemos elencar as seguintes: (a) é ato personalíssimo; (b) que encerra negócio jurídico unilateral; (c) solene; (d) gratuito; (e) revogável, na sua essência, mas irrevogável quando o testador reconhecer um filho; (f) causa mortis.
Entre os aspectos acima destaca-se que o testamento é um negócio jurídico, e como tal sujeita-se às regras de validade dos atos negociais em geral. Por consequência, para seja válido o testamento deve observar os aspectos de forma prescrita e não defesa em lei, objeto lícito possível, determinado ou determinável e agente capaz, conforme enuncia o art. 104, I a III, do Código Civil.
E como diz MARIA HELENA DINIZ:
 “... para que o testador tenha capacidade para testar será preciso inteligência exata do que precisa, ou seja, discernimento, compreensão do que apresenta o ato e manifestação exata do que pretende. A capacidade é a regra, e a incapacidade a exceção, só se afastando a capacidade quando a incapacidade ficar devidamente provada. Assim, se um ébrio habitual ou pessoa com discernimento reduzido tiver entendimento do ato causa mortis, e isso for comprovado, poderá testar. Antes o disposto no art. 1.782, o pródigo não está impedido de fazer testamento”.
Seguindo para a análise do texto legal vigente, foram revogados expressamente todos os incisos do art. 3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação: "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade". Também foi alterado o caput do art. 3º, comando que a partir de agora, passa a estabelecer que "são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos". O art. 4º do Código Civil também foi modificado de forma considerável pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu inciso II não faz mais referência aos deficientes, que não são mais consideradas relativamente incapazes, como antes estava regulamentado. Foram mantidas no diploma os ébrios habituais (alcoólatras) e aos viciados em tóxicos, que continuam dependendo de um processo de interdição relativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida. Também foi alterado o inciso III do art. 4º do Código Civil de 2002, que não mais alude aos excepcionais sem desenvolvimento completo, como o portador de síndrome de Down, por exemplo, e agora é plenamente capaz. A redação modificada do inciso III passa a enunciar a incapacidade relativa das pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade, o que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta.
No Estatuto do Deficiente, o art. 6º, incisos I a VI, passou a contemplar importante de capacidade, pois colocou em lados opostos a deficiência e a incapacidade, diferentemente dos Códigos de 1916 e 2002. Desse modo, “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Mais adiante, no art. 84, caput, o Estatuto reafirmou a plena capacidade jurídica do deficiente, sendo que o simples fato de uma pessoa humana ter algum tipo de deficiência (física, mental ou intelectual), por si só, não é o bastante para caracterizar uma incapacidade.
O art. 85, caput, por sua vez, prevê a figura da curatela, que afetará tão somente os do deficiente relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Os critérios de incapacidade são de duas ordens, uma objetiva (idade, CC, arts. 3º e 4º, I) e outra subjetiva (psicológico, CC, art. 4, II, III e IV). Eventualmente, e em casos excepcionais, os deficientes podem ser tidos como relativamente incapazes, se ocorrer algum enquadramento do novo art. 4º, incisos II a IV, do Código Civil. Assim, quando o deficiente não puder exprimir sua vontade, por exemplo, poderá ser submetido à ação de curatela (ou interdição, NCPC, art. 747 e ss), caso em que terá sua incapacidade reconhecida pelo juiz. A incapacidade etária dispensa a intervenção judicial, pois decorre diretamente da lei.
De toda sorte, a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, afirma o art. 85, § 1º, da do Estatuto do Deficiente.
Como se percebe, não existe mais pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Como consequência, não há que se falar mais em ação de curatela/interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados. Todas as pessoas com deficiência, das quais tratava o comando anterior, passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade.
O art. 1.860, caput, do Código Civil estabelece que estão proibidos de testar os incapazes e os que, no momento fazê-lo, não tenham pleno discernimento para a prática do ato. Tem-se como regra a capacidade para testar; incapacidade é exceção. Não se admite testar, assim, por: (a) incapacidade; (b) ausência de discernimento pleno.
Não apenas os incapazes, mas ainda aqueles que não tiverem o pleno discernimento carecem de condições subjetivas de testar. As hipóteses de incapacidade civil absoluta e relativa (CC, arts. 3º e 4º) estão compreendidas na primeira parte do art. 1.860 do Código Civil; o pleno discernimento na segunda. O testamento elaborado por quem não tem capacidade testamentária ativa, que compreende a incapacidade e a ausência de pleno discernimento, será nulo ou anulável, conforme o grau do defeito. O testamento do incapaz não se valida com a superveniência da capacidade, diz o art. 1.861, caput, 2ª parte, do Código Civil. No entanto, a impugnação da validade do testamento por vício de capacidade (CC, art. 1.861) deve ocorrer o prazo decadencial em 05 (cinco) anos, contado o prazo da data do seu registro, diz o art. 1.859 do Código Civil.
As mudanças promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência nos arts. 3º e 4º do Código Civil refletiu na obrigatória releitura da norma especial, que dispõe sobre a capacidade de testar. Isso porque os novos conceitos de incapacidade em geral permeiam o art. 1.860 do diploma civil, por expressa remissão deste aos “incapazes”.
Paralelo a isso, o deficiente teve sua condição elevada, ao estabelecer o Estatuto sua plena capacidade. No entanto, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida a curatela, tornando-se relativamente incapaz. Para tanto, exige-se a ação de curatela/interdição e decisão judicial (NCPC, arts. 747 e seguintes). Como resultado, o deficiente plenamente capaz pode testar. As deficiências podem ser físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais (art. 2º do Estatuto do Deficiente). Porém, nem todas suprimem a plena capacidade da pessoa. No entanto, se presente uma causa geradora de incapacidade (art. 4º, II a IV, do Código Civil), o deficiente será submetido à curatela e, por consequência, se tornará incapaz. Diferentemente, as pessoas e o deficiente podem ser capazes, e ainda assim, carecerem do pleno discernimento para testar (CC, art. 1.860, caput, 2ª parte). Esta hipótese funciona como norma de reserva, uma incapacidade especial da sucessão testamentária, e atua em paralelo ao sistema de incapacidades em geral como mecanismo de proteção da vontade do testador; logo, é norma subsidiária que só admite o testamento a quem tenha lucidez plena.

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