O curatelado e a
capacidade de testar
O
novo Estatuto do Deficiente conferiu à antiga teoria das incapacidades grandes
mudanças estruturais e funcionais, com repercussão para os diversos ramos do
Direito Civil. Conforme os arts. 114, 115, 116 e 123 da Lei n. 13.146/2015.
Tanto a Parte Geral como a Parte Especial do Código Civil sofreram modificações
expressas decorrentes do novel diploma.
A
sucessão testamentária, ao lado da sucessão legítima, apresenta-se nos arts.
1.867 e seguintes do Código Civil, e por ela “instituem-se herdeiros ou
legatários, isto é, sucessores a título universal ou particular. Concede a lei
ao testador o direito de chamar à sucessão, na totalidade ou em parte da
alíquota do seu patrimônio [...] que assim regula, em alto unilateral, a
distribuição de seus bens, conforme sua própria vontade [...] opõe-se à
sucessão legítima ou ab intestato,
regida a devolução, nesta modalidade, por disposições legais”.
Sabe-se
que o testamento possui características próprias, e podemos elencar as seguintes:
(a) é ato personalíssimo; (b) que encerra negócio jurídico unilateral; (c)
solene; (d) gratuito; (e) revogável, na sua essência, mas irrevogável quando o
testador reconhecer um filho; (f) causa mortis.
Entre
os aspectos acima destaca-se que o testamento é um negócio jurídico, e como tal
sujeita-se às regras de validade dos atos negociais em geral. Por consequência,
para seja válido o testamento deve observar os aspectos de forma prescrita e
não defesa em lei, objeto lícito possível, determinado ou determinável e agente
capaz, conforme enuncia o art. 104, I a III, do Código Civil.
E
como diz MARIA HELENA DINIZ:
“... para que o testador tenha capacidade para
testar será preciso inteligência exata do que precisa, ou seja, discernimento,
compreensão do que apresenta o ato e manifestação exata do que pretende. A
capacidade é a regra, e a incapacidade a exceção, só se afastando a capacidade
quando a incapacidade ficar devidamente provada. Assim, se um ébrio habitual ou
pessoa com discernimento reduzido tiver entendimento do ato causa mortis, e
isso for comprovado, poderá testar. Antes o disposto no art. 1.782, o pródigo
não está impedido de fazer testamento”.
Seguindo
para a análise do texto legal vigente, foram revogados expressamente todos os
incisos do art. 3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação: "São
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os
menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os
que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade".
Também foi alterado o caput do art. 3º, comando que a partir de agora, passa a
estabelecer que "são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil os menores de 16 anos". O art. 4º do Código Civil também foi
modificado de forma considerável pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu
inciso II não faz mais referência aos deficientes, que não são mais
consideradas relativamente incapazes, como antes estava regulamentado. Foram
mantidas no diploma os ébrios habituais (alcoólatras) e aos viciados em
tóxicos, que continuam dependendo de um processo de interdição relativa, com
sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida. Também foi
alterado o inciso III do art. 4º do Código Civil de 2002, que não mais alude
aos excepcionais sem desenvolvimento completo, como o portador de síndrome de
Down, por exemplo, e agora é plenamente capaz. A redação modificada do inciso
III passa a enunciar a incapacidade relativa das pessoas que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade, o que antes estava
previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade
absoluta.
No
Estatuto do Deficiente, o art. 6º, incisos I a VI, passou a contemplar
importante de capacidade, pois colocou em lados opostos a deficiência e a
incapacidade, diferentemente dos Códigos de 1916 e 2002. Desse modo, “A
deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I -
casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e
reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de
ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV
- conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V -
exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI -
exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou
adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Mais adiante,
no art. 84, caput, o Estatuto reafirmou a plena capacidade jurídica do
deficiente, sendo que o simples fato de uma pessoa humana ter algum tipo de
deficiência (física, mental ou intelectual), por si só, não é o bastante para caracterizar
uma incapacidade.
O
art. 85, caput, por sua vez, prevê a figura da curatela, que afetará tão
somente os do deficiente relacionados aos direitos de natureza patrimonial e
negocial. Os critérios de incapacidade são de duas ordens, uma objetiva (idade,
CC, arts. 3º e 4º, I) e outra subjetiva (psicológico, CC, art. 4, II, III e
IV). Eventualmente, e em casos excepcionais, os deficientes podem ser tidos
como relativamente incapazes, se ocorrer algum enquadramento do novo art. 4º,
incisos II a IV, do Código Civil. Assim, quando o deficiente não puder exprimir
sua vontade, por exemplo, poderá ser submetido à ação de curatela (ou
interdição, NCPC, art. 747 e ss), caso em que terá sua incapacidade reconhecida
pelo juiz. A incapacidade etária dispensa a intervenção judicial, pois decorre
diretamente da lei.
De
toda sorte, a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à
sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e
ao voto, afirma o art. 85, § 1º, da do Estatuto do Deficiente.
Como
se percebe, não existe mais pessoa absolutamente incapaz que seja maior de
idade. Como consequência, não há que se falar mais em ação de
curatela/interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são
interditados. Todas as pessoas com deficiência, das quais tratava o comando
anterior, passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o
que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade.
O
art. 1.860, caput, do Código Civil estabelece que estão proibidos de testar os
incapazes e os que, no momento fazê-lo, não tenham pleno discernimento para a
prática do ato. Tem-se como regra a capacidade para testar; incapacidade é
exceção. Não se admite testar, assim, por: (a) incapacidade; (b) ausência de discernimento
pleno.
Não
apenas os incapazes, mas ainda aqueles que não tiverem o pleno discernimento
carecem de condições subjetivas de testar. As hipóteses de incapacidade civil
absoluta e relativa (CC, arts. 3º e 4º) estão compreendidas na primeira parte do
art. 1.860 do Código Civil; o pleno discernimento na segunda. O testamento
elaborado por quem não tem capacidade testamentária ativa, que compreende a
incapacidade e a ausência de pleno discernimento, será nulo ou anulável,
conforme o grau do defeito. O testamento do incapaz não se valida com a
superveniência da capacidade, diz o art. 1.861, caput, 2ª parte, do Código
Civil. No entanto, a impugnação da validade do testamento por vício de
capacidade (CC, art. 1.861) deve ocorrer o prazo decadencial em 05 (cinco)
anos, contado o prazo da data do seu registro, diz o art. 1.859 do Código
Civil.
As
mudanças promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência nos arts. 3º e 4º
do Código Civil refletiu na obrigatória releitura da norma especial, que dispõe
sobre a capacidade de testar. Isso porque os novos conceitos de incapacidade em
geral permeiam o art. 1.860 do diploma civil, por expressa remissão deste aos
“incapazes”.
Paralelo
a isso, o deficiente teve sua condição elevada, ao estabelecer o Estatuto sua
plena capacidade. No entanto, quando necessário, a pessoa com deficiência será
submetida a curatela, tornando-se relativamente incapaz. Para tanto, exige-se a
ação de curatela/interdição e decisão judicial (NCPC, arts. 747 e seguintes).
Como resultado, o deficiente plenamente capaz pode testar. As deficiências
podem ser físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais (art. 2º do Estatuto do
Deficiente). Porém, nem todas suprimem a plena capacidade da pessoa. No
entanto, se presente uma causa geradora de incapacidade (art. 4º, II a IV, do
Código Civil), o deficiente será submetido à curatela e, por consequência, se
tornará incapaz. Diferentemente, as pessoas e o deficiente podem ser capazes, e
ainda assim, carecerem do pleno discernimento para testar (CC, art. 1.860,
caput, 2ª parte). Esta hipótese funciona como norma de reserva, uma
incapacidade especial da sucessão testamentária, e atua em paralelo ao sistema
de incapacidades em geral como mecanismo de proteção da vontade do testador;
logo, é norma subsidiária que só admite o testamento a quem tenha lucidez
plena.
Referência:
http://s3.meusitejuridico.com.br/2017/11/0107df65-artigo-por-ronaldo-vieira-francisco.pdf
Acesso em 12 de junho de 2018 às 16hs: 53min.

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