Resumo crítico do
livro O que é Política?
MAAR, Wolfgang Leo. O que e política. 16ª ed. - São Paulo:
Brasiliense, [1989].
A
palavra “política” vem sendo usada há séculos com os mais variados sentidos.
Para estabelecer um conceito básico de política um caminho conveniente é buscar
a origem da palavra. Tal verificação demonstra que essa palavra tem origem
grega e foi usada por vários filósofos e escritores da Grécia antiga, sendo
especialmente importante para a compreensão do seu sentido primitivo a obra denominada
Política, escrita por Aristóteles, filósofo que viveu em Atenas no quarto
século antes da era Cristã.
Os
gregos davam o nome de polis à
cidade, isto é, ao lugar onde as pessoas viviam juntas. E Aristóteles diz que o
homem é um animal político, porque nenhum ser humano vive sozinho e todos
precisam da companhia de outros. A própria natureza dos seres humanos é que
exige que ninguém viva sozinho. Assim sendo, “política” se refere à vida na polis, ou seja, à vida em comum, às
regras de organização dessa vida, aos objetivos da comunidade e às decisões
sobre todos esses pontos.
Segundo
o conceito de Julien Freund disponível na obra Qu’est-ce que la Politique?, p.
177 “ A atividade social que se propõe a garantir pela força, fundada
geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade
política particular. ”
Em “O que
é Política” Wolfgang Leo Maar esboça algumas temáticas do universo político de
uma forma bem didática e com uma linguagem clara que facilita a compreensão.
O autor
nos ensina que as relações políticas não se dão apenas com a política
institucionalizada, ou seja, estatal. Que nós seres humanos somos políticos,
praticamos política no nosso dia-a-dia, uma vez que, quer seja no âmbito
institucional, quer seja nas relações sociais do cotidiano estamos promovendo
relações de poder, que para nosso autor é uma atividade política fundamental.
Portanto, para Wolfgang Leo Maar, dentro de uma sociedade que objetiva o poder,
existem diversas formas de política.
Wolfgang
Leo Maar nos apresenta os partidos políticos como agentes políticos da
sociedade moderna. A disputa partidária apresenta-se, para o autor, em dois
vieses: de um lado como uma relação com a sociedade e seus interesses; de outro
lado como disputa pelo controle do aparelho do Estado. O autor busca em Gramsci
a função dos intelectuais orgânicos na atividade política, segundo o qual o
intelectual tem como papel elaborar propostas de cunho cultural e política para
transformação dos sujeitos e posterior transformação do mundo. Maar vê a
política como resultado de um processo histórico. Assim ela se apresenta como
atividade aberta ao movimento e a transformação constante.
Ao
abordar a política na Grécia e na Roma Antiga, Maar nos diz que a política foi
talhada a partir da atividade social dos homens que viviam nas pólis gregas.
Filósofos como Platão e Aristóteles teriam dado incomensurável
contribuição e lição, para o mundo ocidental, sobre política.
Maquiavel
nos diz Maar, fez importante distinção entre política de Estado e de Governo.
Em Maquiavel o agente da atividade política do Estado é o governo, assim sendo,
o dirigente deste governo (em Maquiavel seria o príncipe) deve possuir
virtude, capacidade diante dos acontecimentos de caráter políticos, a
finalidade é o poder. Nosso autor elenca ainda que para se governar é
necessário ter força, astúcia e, porque não, sorte. Buscando novamente em Gramsci,
o autor destaca que o príncipe moderno é nada mais nada menos do que o partido
político, e sua meta fundamental é o poder estatal.
Em Marx,
o autor diz que a política trata-se de uma disputa de classes sociais, onde o
Estado representa a classe dominante, logo o Estado passa a condição de
representante de uma classe. Assim a atividade política deixa de ser espaço
exclusivo do Estado, para passar a ser palco da luta de classes. A “política”,
em Marx, é resultado da luta de classes, deste modo à classe dominada, ou seja,
o proletariado tem que desenvolver uma política que supere a sociedade de
classes, supere o capitalismo, na busca pelo socialismo.
O autor
questiona ainda o papel da política na sociedade brasileira atual, na vida das
pessoas (leve em consideração que este livro foi escrito em 1982). Nosso autor
se utiliza de alguns momentos da história do Brasil para demonstrar como a
política é submetida a constante imprevisibilidade, mudanças e transformações.
Com isso, quer nos mostrar que atividade política deve ser compreendida como
uma ação prática e transformadora da realidade histórica, havendo deste modo
uma gama de orientações possíveis para a política. Apresenta-nos ainda que a
atividade política institucional em torno do Estado foi desenvolvida pelos
homens ao longo da história, como uma forma prática de organizar a vida social,
coletiva buscando atender o interesse comum. Destaca ainda que o Estado pode
ser agente da persuasão, do consenso, quer dizer, pode agir através da coerção
ou da hegemonia.
Maar nos
ajuda a compreender melhor a diferença entre sociedade política e sociedade
civil. A sociedade política trata-se da administração pública, o judiciário, as
forças armadas; a sociedade civil por sua vez é onde estão os partidos,
empresas, sindicatos, movimentos sociais, escolas. Logo, a sociedade civil
teria suas próprias instituições para fazer suas reivindicações ao Estado e os
partidos políticos seriam as principais instituições, bem como os sindicatos e
outros movimentos sociais. Com isso as atividades políticas exercidas pelo
Estado buscam o consenso da sociedade civil.
O autor
também promove uma discussão entre a relação existente entre política, cultura
e ideologia. Como a cultura se manifesta na política, partindo do princípio de
que as manifestações culturais oferecem meios para a realização de preceitos
políticos, portanto, a cultura não deve ser rebaixada, pois ela tem uma função
política, podendo ser utilizada com uma finalidade política. A classe
dominante, por exemplo, tenta impor sua cultura como se seus valores fossem
universais.
A
cultura, portanto, aparece com um apoio ideológico usado na legitimação do
poder da classe dominante. Maar busca em Georg Lukács a elaboração de
que a cultura aparece como uma estratégia política para tomar o poder. E que a
cultura pode aparecer como uma função ideológica tanto para quem está no poder,
“ideologia conservadora”, como para os que desejam mudar o poder por
intermédio de uma revolução, “ideologia libertadora”. Gramsci chama essa disputa
pela conquista do estado de “guerra de posições” e aqui entra os intelectuais
com seu papel de produtores da cultura. Portanto, a política também é cultura,
ao passo que ela molda sentimentos e comportamentos que influenciam na
transformação da realidade.
Maar diz
que a política produz uma série de referências e valores para a humanidade,
logo a política possuiria também uma missão civilizadora. E o autor nos ínsita
a pensar em questões como coloca: Qual o papel do Estado perante a sociedade?
Será mesmo que vivemos em um país democrático? Quais os limites das ações do
Estado? E o que estamos fazendo enquanto cidadãos, como seres políticos, para
alterar a atual realidade política de nosso país.
Sendo o homem um ser social, dependente do meio onde vive, nas
palavras do autor, “a política passa a ser uma espécie de mal necessário, uma
atividade social transformadora pela qual se visa realizar certos fins
utilizando-se de determinados meios”.
Desta forma, à atividade política cabe transformar as
vontades dos seres ali incluídos em meios de reprodução das relações sociais.
Portanto, cabe dizer, segundo o autor, que as vontades individuais são
preteridas em favor do interesse coletivo.
Utilizando-se dos estudos marxistas, o autor remonta ao
indivíduo como significado do meio onde habita. E sendo o capital aquele que
determina a moral, o indivíduo perde seu significado e passa de senhor a servo
das coisas, do capital.
A atividade política não pode apenas servir de meio
transformador do mundo objetivo (aquele determinado pelo coletivo), mas “significa,
também, o exercício de uma atividade transformadora da consciência e das suas
relações com o mundo”. Ou seja, seu papel deve focar tendências prolongadas ao
longo do tempo.
Para isto, cita Wolfgang que os movimentos sociais
brasileiros não buscam, por exemplo, alterações das políticas trabalhistas, que
envolvem toda a sociedade, mas, “na prática cotidiana, a atividade política
assume a perspectiva de realizar dimensões humanas mais profundas no
relacionamento pessoal, com respeito à diversidade individual e a crítica a
formas predeterminadas de conduta”.
O momento decisivo na aquisição de significado político por
um movimento social residiria na capacidade de dirigir coletivamente os
interesses sociais específicos como objetivos políticos amplos. A atividade
política da sociedade civil produz dirigentes e dirigidos, pois resultam no
consenso, persuasão, no convencimento público para adquirir força. Elementos
básicos das instituições civis são a organização e a mobilização.
A sociedade civil não objetiva a ocupação do Estado, apesar
de possuir um significado político de base. As produções desta são ricas e
criativas, pelo constante desenvolvimento de novas formas derivadas de
situações cotidianas e da necessidade de sua transformação.
A tendência da atividade ali produzida é conferir um novo
sentido a uma política progressivamente desmoralizada pela atuação das
instituições públicas e da disputa governamental que, fora dos momentos
eleitorais, não oferece espaço à participação das pessoas nas decisões
políticas e aparece apenas como restrição ou imposição de normas legais.
Enquanto na política institucional fala-se pelo e para o
povo, nos movimentos sociais é o povo quem fala e está presente cotidianamente.
A participação
política não é apenas participação eleitoral. Desde o século XVIII afirmou-se
como ideal político a democracia sistema em que a vontade do povo deve estar
acima de qualquer outra. E pela impossibilidade de reunir o povo em praças
públicas, todos os dias, para tomar decisões políticas foi criado o sistema de
“democracia representativa”. Na democracia representativa o povo escolhe
representantes e através deles manifesta sua vontade. E para a escolha dos
representantes foi criado o processo eleitoral, surgindo as figuras do
candidato e do eleitor.
Ainda no
século XVIII, o filósofo Jean Jacques Rousseau manifestou sua descrença no
sistema representativo, dizendo que o representante do povo sempre irá
manifestar sua própria vontade e não a vontade do povo. É interessante a
evolução do pensamento marxista sobre a democracia representativa. No início
Marx e seu companheiro Engels se opuseram ao sistema eleitoral da democracia
representativa. Consideravam, então, que só a guerrilha urbana, a barricada, a luta
armada é que poderiam eliminar os privilégios e melhorar as condições de vida
da classe trabalhadora. Mas depois de inúmeras tentativas de movimento armado,
especialmente depois da revolta ocorrida na França em 1871, registrada pela
História com o nome de “Comuna de Paris” Engels concluiu que a vitória de
grupos armados contra exércitos organizados, em lutas de rua, era uma das
maiores raridades históricas.
E
verificando as possibilidades criadas pelas vias eleitorais, até então
repelidas por serem consideradas “fórmulas burguesas”, o próprio Engels
observa: “Com a agitação eleitoral, o sufrágio universal forneceu-nos um meio
único para entrarmos em contato com as massas populares, para obrigarmos todos
os partidos a defenderem diante do povo suas ideias e seus atos”. Além disso, acrescenta Engels, “ o direito de
votar abriu aos nossos representantes uma tribuna no Parlamento, do alto da
qual podem falar aos adversários, podendo falar também às massas com uma liberdade
e uma autoridade que não tem na imprensa e nos comícios”. E assim foi aceito
pelos socialistas o uso do voto como instrumento de luta das classes mais
humildes.
Existe
hoje o reconhecimento generalizando de que o processo eleitoral pode ser muito
útil, embora não se deva esquecer que ele é fortemente influenciado pelo poder
econômico, bem como pelas forças políticas dominantes. Isso reduz seu alcance e
torna indispensável o seu aperfeiçoamento.
Para que
o povo escolha representantes autênticos é preciso, antes de tudo, que haja
plena liberdade de informação, permitindo às pessoas formarem livremente sua
opinião com base no maior número possível de dados. O que se tem verificado é
que ao lado das restrições que podem ser impostas pelos governos existe o
problema das empresas e dos interesses que controlam os meios de comunicação.
Os grupos econômicos mais poderosos usam a imprensa para apresentar os fatos de
modo que lhes convém, e com frequência o povo é mais enganado do que informado.
É preciso
lembrar também que o processo eleitoral é sempre dispendioso, impondo
sacrifícios econômicos aos que se candidatam. Disso se valem os candidatos mais
ricos e menos escrupulosos para ocupar posições vantajosas, para fazer grande
publicidade, muitas vezes mentirosa, de sua pessoa e de suas atividades, bem
como corromper os eleitores menos conscientes ou mais pressionados pelas
dificuldades econômicas. Na realidade, não há uma democracia representativa
onde alguém tenha possibilidade de se eleger para cargo de razoável peso
político sem o apoio de poderoso grupo econômico.
Acrescente-se,
ainda, o uso frequente da administração pública para a prática de corrupção
eleitoral, bem como as regras legais que negam a muitas pessoas o direito de
votar ou que dificultam a organização e o funcionamento dos partidos políticos.
Por todos esses motivos a realização de eleições está longe de ser uma garantia
de que o povo escolhe livremente os seus representantes e governa por meio
deles.
Por outro
lado, entretanto, deve-se reconhecer que o processo eleitoral vem sendo
aperfeiçoado e que, apesar de todas as suas falhas, oferece ao povo algum
espaço para que se manifeste sua vontade. Desse modo, a participação através
das eleições não deve ser excluída, devendo, porém, ser considerada num quadro
mais amplo, que inclui outras formas de participação. Entre estas existem
algumas que muitas vezes são bem mais importantes do que a via eleitoral e que
sempre poderão influir sobre esta, tornando-a mais honesta e mais
autêntica.

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