Powered By Blogger

Total de visualizações de página

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Resumo crítico do livro O Caso dos Exploradores de Caverna

Resumo crítico do livro O Caso dos Exploradores de Caverna
FULLER, Lon L. O caso dos exploradores de cavernas. Trad. Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Fabris, 1976.
Lon Luvois Fuller (1902-1978) foi um jurista estado-unidense. Fuller estudou Economia e Direito em Stanford e atuou como professor de Teoria do Direito, inicialmente nas Faculdades de Direito de Oregon, Illinois e Duke e, a partir de 1940, na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, onde trabalhou até 1972. Publicou estudos de direito civil, de filosofia e teoria do direito. Deve sua fama a um breve ensaio intitulado O caso dos exploradores de cavernas. Esse trabalho, publicado em 1949, foi lido e comentado por estudantes e professores de Direito em todo o mundo, tendo sido traduzido para vários idiomas. Sua principal obra jusfilosófica é "The morality of law". Ele defende uma versão moderada de jusnaturalismo procedimental, indicando em particular as condições sem as quais o direito deixa de ser correto e válido.
O doutrinador acima mencionado, no livro “O caso dos exploradores de caverna”, a partir de uma analise crítica – dissertativa – discursiva tem como fundamento maior o embate entre o direito natural e o positivismo jurídico.
A obra sub examine é a maneira mais didática de se introduzir o acadêmico de Direito as preocupações hermenêuticas desta ciência social, seja pelo seu papel e escopo fundamental, seja pela congruência das demais investigações, vislumbrando – se de logo o caráter multidisciplinar da ciência jurídica.  
A obra “o caso dos exploradores de caverna”, é vivida no ano de 4299, quando cinco membros da Sociedade Espeleológica, organizam-se para explorar uma caverna de rocha calcária. Quando estavam bem distantes da entrada da caverna, ocorreu um grande desmoronamento de terra que fechou completamente a única saída que havia. Seus familiares, notando suas ausências, avisaram imediatamente a sociedade que enviou urgentemente uma equipe de socorro ao local do desmoronamento.
Quando lá chegou, a equipe de socorro começou o trabalho para libertar os exploradores que haviam ficados presos. Como o trabalho de resgate foi penoso e difícil, novos deslizamentos ocorreram, sendo que uma dessas, provocou a morte de dez operários, dificultando ainda mais o trabalho. Os fundos da Sociedade Espeleológica exauriam-se rapidamente, obtendo a soma de oitocentos mil frelares, arrecadadas em partes pela população e outra pela subvenção legislativa, gastada antes que os membros fossem libertados.
No vigésimo dia de resgate, descobriram que os exploradores haviam levado um rádio transmissor de mensagens, então, prontamente instalaram uma unidade eletrônica capaz de enviar sinais para esse rádio e receber sinais dele. Neste rádio os membros perguntaram quanto tempo haveria para eles serem socorridos, e a resposta foi mais 10 dias, isso se não ocorresse novo deslizamentos de terra, o qual prejudicaria ainda o trabalho do socorro.
Então, perguntaram, aos médicos se eles sobreviveriam sem comer por dez dias, os médicos responderam que não. Igualmente, Roger Whetmore propôs a sua ideia a seus colegas que fossem lançados os dados, na qual quem fosse sorteado iria ser sacrificado para servir de alimento para os demais.
No entanto, Whetmore falando em seu próprio nome e representando os demais colegas, indagou se eles seriam capazes de sobreviverem alimentando da carne de um dentre deles, o presidente da comissão respondeu em sentido afirmativo, Roger perguntou aos médicos se seria aconselhável tirar a sorte através do lançamento dos dados para determinar qual deles seria sacrificado, todos recusaram a responder a tal pergunta.
Como se nota em sua introdução “nenhuma disciplina jurídica é tão problemática, tão suscetível de abordagens diversas – o que, aliás, a própria discussão que até hoje persiste quanto a seu objeto testemunha - do que a Introdução à Ciência do Direito, e, no entanto, nenhum ensino é tão fecundo e eventualmente tão fecundante quanto aquele que se ministra aos que se iniciam no estudo do direito”.
            Ao longo da historia o direito, sempre esteve marcado por controvérsias e dissidências interpretativas a exemplo de estudiosos como Karl Popper quisessem negar a cientificidade da ciência jurídica, em não se adotando o método aplicável às ciências naturais.  
            Igualmente, este pensamento crítico, temos o entendimento de que convivemos com uma ciência da argumentação, que propicia uma certa gama de entendimentos contrários sobre pontos específicos, excludentes entre si, mas plausíveis, por vinculados a um substrato de ideias. Deste modo, sem delongar no campo da antijuridicidade, podemos perceber situações postas ao judiciário que, envolvendo pretensões objetivamente idênticas – subjetivamente diversas -, geram soluções antagônicas.  
            A obra em análise trata de um modo geral, dessa problemática, abordando uma das maiores dissensões estudas pela componente curricular Introdução ao Estudo do Direito – o debate entre o direito natural e o positivismo jurídico. Rememorando as primeiras palavras, é um sério problema de hermenêutica, de interpretação do direito, que se põe aos aplicadores do direito com maior frequência do que imaginamos. Ser estrito ao que dispõe a letra da lei ou tentar interpretá-la de forma mais consentânea com a realidade social e fática que se apresenta, procurando fazer do direito um instrumento da justiça e não, por vezes, um impedimento a ela. Por outro lado, afastar-se da lei e abrir caminhos para arbítrios infundados ou seguir à risca a mens legislatoris?     
            Todas estas nuances dissecadas com louvor no texto do professor Harvad Lon. L Fuller, que tem por pano de fundo o julgamento de quatro aventureiros sobreviventes de um acidente que os reteve durante quase quarenta dias em uma caverna e que os obrigou a matar um terceiro companheiro que com eles se encontrava, no 33º dia de aprisionamento, o que fez com que não padecessem de inanição e pudessem escapar vivos desse horrível incidente.    
            Desse homicídio decorrente de uma situação antagônica emerge toda a problemática hermenêutica tema central do arrazoado. Após terem sido condenados à forca em primeira instância, os quatro acusados recorrem dessa decisão, à Suprema Corte de Newgarth, que terá, de forma final, o destino dos quatro desalentados em suas mãos.         
Nesse pano de fundo surgem todas as controvérsias e dúvidas hermenêuticas e de consciência dos julgadores, representadas para o leitor por meio do voto de 04 dos membros da Corte do presidente Truepenny, quais sejam os juízes Foster, Tatting, Keen e Handy.
Interessante é notar que os nomes dos juízes não foram escolhidos em vão. Indicam, podemos assim dizer, sua posição em relação ao caso concreto a eles posto, como também sua própria visão sobre o direito.
Nesse sentido, o termo inglês foster - que é designado como sobrenome do primeiro dos julgadores, que possui uma visão mais elástica do que seja o direito, defendendo inclusive a existência de hipóteses de sobrevivência de “estados de natureza” em nossa atual sociedade – significa criatividade, fomento.
Keen, que é o sobrenome do juiz mais apegado ao legalismo estrito, significa pujança, firmeza. Handy, por seu lado, tem o sentido de alcunhar de habilidoso aquele que assim seja designado, caracterização essa que corresponde às feições do último dos julgadores.
Os magistrados supracitados devem exercer cognição sobre os fatos resumidamente citados e aplicá-los à regra jurídica denominada N.C.S.A. §12 – A, que em seu texto prega: “quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte”.
Embora se saiba que realmente os quatro homens foram os responsáveis diretos pela morte do quinto, denominado Roger Whetmore – que foi quem teve a ideia do assassinato de um deles, por sorteio, para a manutenção dos restantes – seria justo condená-los sabendo-se do horror por que passaram e da situação extremamente limítrofe que os levou a liquidar um semelhante para não serem também tragados pela fome?
Tem-se, então, o embate entre os diferentes pontos de vista, já citados, dos quatro juízes representantes das diversas correntes jurídicas, o que é um interessante exercício de argumentação calcado na defesa do que poderíamos dizer ser o direito natural, principalmente por parte do juiz Foster, do positivismo estrito, kelseniano, do juiz Keen, e de uma visão moderada do magistrado Handy, além do non liquet representado pelo segundo a se pronunciar, o juiz Tatting.
Interessante nesse embate é notar como os radicalismos podem coexistir no direito e até saírem vitoriosos, o que são os casos dos magistrados Foster e Keen, o primeiro essencialmente jusnaturalista e o segundo ferrenhamente positivista.
Enquanto Foster prega que teria havido verdadeiro estado de natureza, a denominada luta de todos contra todos, de Hobbes, o que tornaria inválida a aplicação de determinada lei geminada em um meio social, o magistrado Keen simplesmente se atém aos termos da norma, dizendo que se é escrito que quem matou intencionalmente deve ser condenado, não importam as condições em que se deu tal ato, mesmo sendo, como no caso, a morte de um a necessária continuação da vida de quatro. Não importando que, se hipoteticamente considerássemos os três sujeitos como o representante de toda a humanidade, toda a humanidade seria extinta, ao revés de só uma parte dele dever se dar ao sacrifício.
Superlativizar as ocorrências é, por vezes, uma interessante forma de enxergar a realidade e suas graves consequências.
A leitura do livro nos mostra diversos princípios que podem ser aplicados para o julgamento dos acusados. O posicionamento de Foster, não se torna essencial para julgar o caso. No momento em que propõem a absolvição dos réus baseando-se numa posição jusnaturalista, alegando que ambos no momento da morte de Roger, não se encontravam em um estado de sociedade civil, mas em um estado natural, e por isso a lei não poderia ser aplicada. (FULLER, 1976, p.14-15).
No entanto, essa indagação não é sutil para o caso, os réus no momento do crime estavam cientes do que estavam fazendo, e saberiam das conseqüências futuras que iriam ocorrer, pois a lei estava clara, então, não haveria hipóteses e brechas para que a mesma não fosse aplicada.
Foster poderia explicar como seria esse estado natural que os exploradores estavam. Como menciona Keen:

A única questão que se nos apresenta para ser decidida consiste em saber se os réus, dentro do significado do N.C.S.A. (n.s.) § 12-A, privaram intencionalmente da vida a Roger Whetmore. O Texto exato da lei é o seguinte: ”Quem quer que intencionalmente prive a outrem será punido com a morte”. Devo supor que qualquer observador imparcial, que queira extrair destas palavras o seu significado natural, concederá imediatamente que os réus privaram “intencionalmente da vida a Roger Whetmore”. (FULLER, 1976, p.42).      

Entretanto, o direito natural foi reformulado pelo positivo, de modo que sua existência diante do estado jurídico, não existe, pois o estado positivo no mundo real é sempre superior, na qual a aplicação a ser feita nos acusados pela morte de Whetmore está direcionada e é exclusiva ao poder judiciário.
Porém, a aplicação da lei é de extrema importância, pois, estava vigente na sociedade espeleológica. Outrossim, ao invés de sacrificar a vida do próximo, por que cada um não se autoflagelou, mutilando seu próprio corpo, para se alimentar? Não fizeram porque é muito, mas fácil buscar soluções para o nosso problema quando podemos sacrificar o bem de outra pessoa. O fato é que o indivíduo não possui plantado em si a verdadeira dedicação com o próximo, não aplica a empatia para sentir o que sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa. 
Outro fator culminante a ser abordado, quando é relatado o risco de morte por inanição, ora, a morte por inanição não é exata sendo razoável na qual dependendo das condições físicas de cada um a morte ocorreria em tempos distintos.
Logo, esse estado natural em que Foster se baseia, não possui força normativa e coercitiva e não se enquadra a ser aplicada em casos como estes, indagando ainda mais, pode ser compreendido o que Tatting afirma, ao dizer:

Se estes homens passaram da jurisdição da nossa lei para aquela da “lei da natureza”, em que momento isto ocorreu? Foi quando a entrada da caverna se fechou? Quando a ameaça de morte por inanição atingiu um grau indefinido de intensidade? Ou quando o contrato para o laço de dados foi celebrado? (FULLER, 1976, p.26-27)
Contudo, Foster não esclarece a passagem da lei jurídica para a lei natural, não criar argumentos, não menciona o momento ideal que a lei da natureza se faz presente na caverna. Então, o que ele aborda não faz sentido algum, e não possui força suficiente para conceder a absolvição dos acusados.
Ao analisar toda a situação posta, não posso concordar nem com a primeira opção, que tornaria deveras ampla a seara da inaplicabilidade do direito, com reflexos negativos para a sociedade, que toda vez que se visse em situações agônicas, como se deu semana passada nos EUA, v.g., se encontraria em verdadeiro estado de natureza, nem com a visão legalista, positivista, que transforma o direito em letra fria.
O positivismo, como corrente jusfilosófica, encontra prementes qualidades e vícios imperdoáveis. Foi, certamente, um dos maiores artífices da cientifização de nossa ciência, a partir de sua metodização e busca por um objeto. Foi, no entanto, uma faca de dois gumes, que gerou um fenômeno de hermetismo tal que confinou o direito, antes meio de resolução de conflitos sociais, instrumento da civilidade, em fim em si mesmo. Por isso, no Brasil, é visto até como ranço o termo positivismo, abstraindo-se do signo muitos de seus mais frutíferos significados, resignando-se o termo ao pejorativo.
Por todo o exposto, entendemos ser mais consentânea com o caso a solução do magistrado Handy, o habilidoso, que sem se ater a extremismos, concilia os dois posicionamentos antagônicos e, sem destruir ou afastar a existência de um estado de direito e também ser fazer do direito um instrumento indiferente à realidade social, consegue fornecer aos jurisdicionados a aplicação da justiça ao caso concreto.
Entre o misoneísmo e o filoneísmo, entendido no texto de forma radical fica-se com o bom senso da atitude mediana, que sopesa fatores como consequências imediatas e mediatas da decisão: não se cria uma abertura que poderia gerar o entendimento afastador do direito, efeito mediato da vitória de um aresto nos termos daquele da lavra do magistrado Foster, nem se deixa de considerar a angústia e o indescritível sofrimento por que passaram os homens que tiveram que se servir de um semelhante para não morrerem. Nos termos exatos do juiz Handy: “o mundo não parece mudar muito, mas desta vez não se trata de um julgamento por quinhentos ou seiscentos frelares e sim da vida ou morte de quatro homens que já sofreram mais tormento e humilhação do que a maioria de nós suportaria em mil anos”.
Entre o direito natural e o positivismo, fico com a realização da justiça, embasada não nesta ou naquela teoria, mas no bom senso e na lei, não somente em uma ou em outra. Uma solução que não prevaleceu na obra analisada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário