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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Considerações sobre o Direito de Família


O direito de família é um ramo da ciência jurídica que sofreu modificações no último século e em evidência em todo o mundo ocidental. Tais mudanças são decorrentes do declínio do patriarcalismo cuja derivação ideológica é a Revolução Industrial e Revolução Francesca que marcaram um novo ciclo histórico: A Idade Contemporânea.
Essas mudanças, especialmente nos costumes e na “liberação sexual”, começou-se a pensar que a família entrou em crise, em desordem.  As constantes mudanças no processo histórico contribuem para que as mesmas não sejam vistas com bons olhos. É natural que em meio a este contexto histórico, e que ainda estamos vivenciando, tenhamos um olhar medroso e pessimista às mudanças. É compreensível que as coisas novas amedrontem, mas o processo é de evolução histórica e não de decadência. As turbulências do caminho são decorrências naturais.      
Atualmente o Direito de Família contempla novas e plurais famílias com configurações singulares desenvolvendo-se para a superação de valores e impasses antigos. Todas as mudanças na estrutura da organização familiar, cujas raízes vinculam-se ao declínio do patriarcalismo, significam, também, o ápice das rupturas de um processo de dissociação iniciado há muitos séculos.    
A resignação histórica das mulheres é que sustentava os casamentos. O fantasma do fim da conjugalidade foi atravessado por uma realidade social, em que imperava a necessidade de que o sustento do laço conjugal estivesse no amor, no afeto e no companheirismo. Aí reside uma das mudanças paradigmáticas e estruturantes do Direito de Família: a família deixou de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução.
Em outubro de 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, ficaram consagrados os princípios fundamentais para o ordenamento jurídico brasileiro. Foi uma verdadeira revolução. Foi a partir dessa revolução constitucional que se consolidou toda a evolução do Direito de Família, e que emergiram os princípios fundamentais para a organização jurídica da família.
De imediato faz-se necessário mencionar O princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esse princípio como fundamento da República, a Constituição Brasileira deu maior valor à proteção da pessoa humana, garantindo o exercício e o reconhecimento de sua condição, sem nenhuma discriminação na sociedade em que vive.
Ressalta Ingo Sarlet, ao expressar a noção de pessoa, como sujeito de direito e obrigações:
Com fundamento na própria dignidade da pessoa humana, poder-se-á falar também em um direito fundamental de toda pessoa humana a ser titular de direitos fundamentais que reconheçam, assegurem e promovam justamente a sua condição de pessoa (com dignidade) no âmbito de uma comunidade. Aproxima-se desta noção – embora com ela evidentemente não se confunda – o assim denominado princípio da universalidade dos direitos fundamentais.

Atualmente, não é mais possível falar de direitos, desatrelados da ideia de dignidade, que funciona também como o vértice do Estado Democrático de Direito, pois é o pressuposto da ideia de justiça humana. Embora a noção de dignidade já fosse um princípio não expresso no ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se um princípio expresso somente com a Constituição da República de 1988.
É impensável, hoje, qualquer julgamento ou concepção em Direito de Família desatrelados ou destituídos da noção ou ideia de dignidade. Ela funciona como um macroprincípio, ou superprincípio que dá a base de sustentação dos ordenamentos jurídicos.
No Direito de Família, em particular, é o princípio que sustenta e paira sobre todos os outros princípios. É ele que permitiu incluir todas as categorias de filhos e famílias na ordem jurídica.
A dignidade humana só pôde ser expressada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e depois espalhada e consolidada nos ordenamentos jurídicos em geral, porque é fruto e consequência dos movimentos políticos e sociais, mas também por influência do discurso psicanalítico que introduz e consolida as noções de sujeito, alteridade e desejo, que possibilitam desconstruir um discurso do sujeito alienado à moral sexual e à moral dominante e excludente.
Para ser sujeito da própria vida e “senhor de si”, entre outros senhores de si, é necessário apropriar-se de seu desejo. A dignidade humana pressupõe, entre outros requisitos, não estar assujeitado ao desejo do outro.
Outrossim, temos o   princípio do melhor interesse da criança/adolescente significa o assento e a consolidação de uma mudança paradigmática. É este princípio que autoriza e dá sustentação, por exemplo, para que a guarda dos filhos esteja com aquele que tiver melhores condições psíquicas para cuidar dos menores, independentemente de ser o pai ou a mãe biológica. É este princípio, associado à dignidade e ao princípio da afetividade, que fez nascer novos institutos jurídicos como a guarda compartilhada e a parentalidade socioafetiva.
Na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 20 de novembro de 1989 e ratificada no Brasil em 1990, consagrou no artigo 3º, I, que:
Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
Busca-se através deste princípio, dizer que o interesse da criança nas relações familiares é de extrema importância, devendo dar mais ênfase nas vontades, condições de vida, ambiente físico e mental do menor, etc., pois se tratando de pessoas em desenvolvimento, possuem condição prioritária e proteção não apenas da família, mas do Estado e da sociedade.
A proteção à dignidade da criança e do adolescente e a liberdade de expressar sua vontade, permite a construção pela convivência de relação afetiva do menor com aqueles que se considera como pais, mesmo não existindo consanguinidade, autorizando o reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva.
O princípio da pluralidade das formas de família é o aspecto família veio se modificando ao longo do tempo, trazendo mudanças sociais importantes dentro de uma relação familiar. A atual constituição contribuiu muito nesse pluralismo trazendo novos modelos de família.
Além da família matrimonial, a Constituição considera também as constituídas pela união estável entre o homem e a mulher e as monoparentais, aquelas formadas por apenas um dos pais e seus descendentes.
            Na brilhante fala da socióloga e psicanalista carioca, Marlise Matos:

“Seres humanos são uma espécie de matéria ou energia que produz ligação e desligamento, vínculos e rupturas e é das vicissitudes entre esse caldeirão de forças que construímos a nossa própria história individual. Ser heteroerótico ou homoeróticamente orientado no percurso de construção de nossa história pessoal é um resultado que, para mim não precisa vir acompanhado de um julgamento valorativo” (MATOS Marlise. Reinvenções do vínculo amoroso, p. 140).

O princípio da Afetividade liga as pessoas pela afeição, ou seja, a vontade de querer constituir uma família com base em uma convivência. O princípio da afetividade não se encontra expresso, mas está de forma implícita na constituição como um elemento inspirador da família, onde as pessoas devem ter comunhão de vida e estabilidade nas relações afetivas.
A mulher passa a ser independente do marido, fazendo com que a família se reúna com base no afeto, na vontade de formar um conjunto, distanciando daquele casamento subordinado, onde a mulher casava-se por questões econômicas e de sobrevivências.
Para Rolf Madaleno:
“O afeto é a mola propulsora dos laços familiares para dar sentido e dignidade à existência humana. Nos vínculos de filiação e parentesco a afetividade deve estar sempre presente, pois os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos liames afetivos, ao contrário, a afetividade pode sobrepor-se aos laços consanguíneos.”

Hoje já não mais se aceita o Direito de Família sem o afeto, diz Daniella Velloso Pereira e Maria Flávia Cardoso Máximo, pois o mesmo permeou as divisas do direito e rompeu antigos paradigmas, alicerçando o conceito de família.
A afetividade se faz presente no Código Civil, dispondo no artigo 1511, que o casamento exige plena comunhão de vida, tanto que cessada a convivência, mesmo que mediante apenas separação de fato, termine o regime de bens.
A Lei Maria da Penha (artigo 5º, II) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 12.010/2009, acrescentado parágrafo único ao artigo 25) também acolhem o princípio da afetividade.
Sendo assim, o princípio da afetividade resulta da convivência familiar, de atos exteriorizados, de condutas objetivas demonstrando o afeto familiar de seus membros na constituição e manutenção das famílias, capaz de gerar vínculos jurídicos como a paternidade socioafetiva.




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