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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Resenha Crítica sobre responsabilidade penal do menor


Em sede de responsabilidade dos adolescentes no Brasil, nota-se duas nuances: a influência do Direito Penal continental europeu em contextos latino-americanos, tendo como resultante a relação de cada modelo ou etapa do Direito Penal juvenil com diversas construções teóricas do saber penal. A segunda nuance, traz à baila discussões sobre as condições de existência de um modelo puro na matéria, desembocando num esforço classificatório das distintas etapas já vislumbradas e do atual sistema vigente em nosso país.
Logo em seguida a autora segue fazendo uma abordagem que traça elementares para conceituar e definir os distintos Modelos de Regulação da Justiça.
O sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê retribuição na medida certa. A sociedade tem uma sensação difusa de impunidade. Mas as estatísticas de encarceramento são as mais elevadas desde sempre: passaram de 140 mil em meados da década de 90 a mais de 500 mil na atualidade. O número de presos no Brasil só é inferior, em termos absolutos, aos da China e dos Estados Unidos. Temos uma justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela. O sistema punitivo tem como porta de entrada o inquérito policial, passa pelo Ministério Público, pela Magistratura e tem como porta de saída o sistema penitenciário. Seus maiores problemas estão na entrada e na saída. A atividade policial é frequentemente vista como uma atividade menor, menos importante do que a de promotores e juízes. Trata-se de um erro grave. Uma polícia mal treinada, mal equipada e mal remunerada, sujeita a uma vida de riscos, vizinha de porta do crime, é um convite à violência e à corrupção. Nesse contexto, menos de 8% dos homicídios no Brasil são elucidados. E são cerca de 50.000 por ano, número de mortes superior ao de países em envolvidos em conflitos armados. Já o sistema penitenciário é tão degradado e degradante que juízes e tribunais, com um mínimo de visão humanista, apegam-se a qualquer filigrana jurídica para não mandar qualquer pessoa não-violenta para suas entranhas, realimentando o sentimento de impunidade.

Leia – se o sistema punitivo brasileiro é uma combinação de truculência, impunidade e degradação.

Recuperar o sistema punitivo envolve a combinação de providências óbvias com algumas soluções criativas. É preciso, dentre outras prioridades, dar dignidade à polícia: status social, qualificação educacional, remuneração adequada, treinamento, equipamento e uma cultura capaz de conciliar eficiência com respeito aos direitos humanos.

Vale dizer -  capacitação, recursos e uma filosofia de trabalho. Precisamos, igualmente, recolocar em discussão a ideia da proibição de venda de armas de fogo, derrotada no plebiscito de 2005, vítima de contingências do momento político. No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, como também pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilização ampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável. Por igual, crimes de colarinho branco e todas as demais formas de criminalidade não violenta devem ter instituições prisionais separadas, mais baratas e de menor segurança, financiadas com as sanções pecuniárias elevadas a serem aplicadas, sobretudo, à criminalidade econômico-financeira.

Também aqui, quem fugir ou violar as regras vai para o sistema. E, sobretudo, precisamos organizar um grande evento multidisciplinar de reflexão sobre o sistema punitivo brasileiro: quanto de direito penal, para quem, com quais objetivos. O sistema punitivo brasileiro está desarrumado filosófica, normativa e administrativamente. Precisamos de um exercício de pensamento criativo, de energia construtiva.
  Já o caráter penal tutelar (também denominada doutrina da situação irregular), que surge nos Estados Unidos, no início do século XX, a partir da intensa repulsa moral decorrente do cenário promíscuo presente no resultado de estarem inseridos maiores e menores nos mesmos estabelecimentos prisionais (SARAIVA, 2005, p. 18).
É com o advento da Lei Federal nº 4.242 de 1921, da criação do primeiro Juizado de Menores em 1923 e do primeiro Código de Menores em 1927 que se inicia pontualmente a etapa tutelar no direito brasileiro. Aliás, foi, curiosamente, durante o período de ditadura política que se consolidou o modelo tutelar no Brasil, momento no qual se elaborou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM (SPOSATO, 2013, p. 84).
 A FUNABEM surgiu com a aprovação da Lei Federal nº 4.513/64 em substituição ao SAM (Serviço de Atendimento ao Menor) e, conforme previa a referida Lei, tinha como objetivo formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, coordenação e fiscalização das entidades que executariam essa política. Quanto ao SAM, criado em 1942 pelo governo de Getúlio Vargas, explicita João Batista da Costa SARAIVA (2005, p. 42/43) que “tratava-se o SAM, nas palavras de Antônio Carlos Gomes da Costa, de um órgão de Ministério da Justiça que funcionava como um equivalente do Sistema Penitenciário para a população menor de idade. A orientação do SAM é, antes de tudo, correcional-repressiva, e seu sistema baseava-se em internatos (reformatórios e casas de correção) para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados”.
Ademais, existem cinco características principais que esboçam de modo geral a etapa tutelar: a) a negação de sua natureza penal; b) a indeterminação das medidas aplicáveis; c) no aspecto processual, a ausência de garantias jurídicas; d) amplo arbítrio judicial; e e)recusa ao critério da imputabilidade (SPOSATO, 2013, p. 84). Ou seja, foi criada uma etapa de supressão de garantias já conquistadas (como o princípio da legalidade, por exemplo). Utilizava-se uma suposta proteção ao menor para ignorar qualquer sistema de garantias existente.
Ao dissertar a respeito do tema, Martha de Toledo MACHADO (2003, p. 37) destaca que apesar do avanço percebido em razão da preocupação com a retirada dos menores das prisões de adultos, nesta etapa ocorreu uma confusão conceitual do combate à criminalidade juvenil com o tratamento do problema social concernente à infância desamparada. Além disso, era conferido ao Poder Público um veredito final sobre quem fazia jus ou não de ser identificado como pessoa em situação marginal, ocasionando, de certa forma, um paternalismo que se mostrava descabido (LAMENZA, 2011, p. 17): “A abrangência e o protecionismo do Código de Menores, talvez motivados pela ânsia de resolver o problema do menor no país, acabaram gerando situações marcadas pela invasão de privacidade, em um sistema quase inquisitivo. O menor pertencente a uma classe social mais humilde estava, por força de lei, sujeito ao arbítrio da autoridade – quase sempre o policial encarregado das rondas” (JESUS, 2006, p. 45).
Então, na doutrina da situação irregular, ocorreu um emaranhado de confusões: atribuía-se ao juiz a deliberação acerca de decidir o que seria melhor para a criança, sendo que tal atribuição resultou em um estigma por parte da sociedade, que concluía que um menor abandonado era consequentemente um menor infrator. Nessa ocasião houve a forte criminalização da pobreza e supressão de garantias, bem como a justificativa para a expressão “menores em situação irregular” (SOUZA, 2013). A etapa em questão foi, sem sombra de dúvidas, fundada e mantida com base no binômio carência e delinquência, visando notadamente a criminalização da pobreza e a expressa tendência à institucionalização. O artigo 2º do Código de Menores (Lei nº 6.697/79) conceituava quem eram os menores que poderiam ser considerados em situação irregular: Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal.
Em conclusão, pode-se afirmar que a etapa tutelar foi marcada por um acentuado assistencialismo que consistia em conceitos vagos e abstratos, sujeitando o inimputável a sanções até mesmo mais severas que dos adultos, incluindo na “situação irregular” tanto o menor abandonado quanto o menor infrator, o que ocorreu até a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Para tanto o modelo educativo ou de bem estar perpassa por breve recorte histórico para sua melhor compreensão feita de maneira brilhante pela autora onde se destaca estes pontos:
Até 1900 – Final do Império e início da Republica
Santa Casa de Misericórdia
Não se tem registro, até o início do século XX, do desenvolvimento de políticas sociais desenhadas pelo Estado brasileiro. As populações economicamente carentes eram entregues aos cuidados da Igreja Católica através de algumas instituições, entre elas as Santas Casas de Misericórdia. No Brasil, a primeira Santa Casa foi fundada no ano de 1543, na Capitania de São Vicente (Vila de Santos). Estas instituições atuavam tanto com os doentes quanto com os órfãos e desprovidos. O sistema da Roda das Santas Casas, vindo da Europa no século XIX, tinha o objetivo de amparar as crianças abandonadas e de recolher donativos.
A Roda constituía-se de um cilindro oco de madeira que girava em torno do próprio eixo com uma abertura em uma das faces, alocada em um tipo de janela onde eram colocados os bebês. A estrutura física da Roda privilegiava o anonimato das mães, que não podiam, pelos padrões da época, assumir publicamente a condição de mães solteiras. Mais tarde em 1927 o Código de Menores proibiu o sistema das Rodas, de modo a que os bebês fossem entregues diretamente a pessoas destas entidades, mesmo que o anonimato dos pais fosse garantido. O registro da criança era uma outra obrigatoriedade deste novo procedimento.
Ensino e trabalho
O ensino obrigatório foi regulamentado em 1854. No entanto, a lei não se aplicava universalmente, já que ao escravo não havia esta garantia. O acesso era negado também àqueles que padecessem de moléstias contagiosas e aos que não tivessem sido vacinados. Estas restrições atingiam as crianças vindas de famílias que não tinham pleno acesso ao sistema de saúde, o que faz pensar sobre a influência da acessibilidade e qualidade de uma política social sobre a outra ou como vemos aqui, de como a não cobertura da saúde restringiu o acesso das crianças à escola, propiciando uma dupla exclusão aos direitos sociais.
Com relação à regulamentação do trabalho, houve um decreto em 1891 – Decreto nº 1.313 – que estipulava em 12 anos a idade mínima para se trabalhar. Segundo alguns autores, no entanto, tal determinação não se fazia valer na prática, pois as indústrias nascentes e a agricultura contavam com a mão de obra infantil.
1900 a 1930 – A República
Lutas sociais
O início do século XX foi marcado, no Brasil pelo surgimento das lutas sociais do proletariado nascente. Liderado por trabalhadores urbanos, o Comitê de Defesa Proletária foi criado durante a greve geral de 1917. O Comitê reivindicava, entre outras coisas, a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do trabalho noturno de mulheres e de menores de 18 anos.
Em 1923, foi criado o Juizado de Menores, tendo Mello Mattos como o primeiro Juiz de Menores da América Latina. No ano de 1927, foi promulgado o primeiro documento legal para a população menor de 18 anos: o Código de Menores, que ficou popularmente conhecido como Código Mello Mattos.

O Código de Menores era endereçado não a todas as crianças, mas apenas àquelas tidas como estando em “situação irregular” . O código definia, já em seu Artigo 1º, a quem a lei se aplicava:
” O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo.” (grafia original) Código de Menores – Decreto N. 17.943 A – de 12 de outubro de 1927
O Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder, delinqüência e liberdade vigiada. O Código de Menores revestia a figura do juiz de grande poder, sendo que o destino de muitas crianças e adolescentes ficava a mercê do julgamento e da ética do juiz.
1930 a 1945 – Estado Novo
Programas assistencialistas
A revolução de 30 representou a derrubada das oligarquias rurais do poder político. O desenvolvimento de um projeto político para o país era, na visão de estudiosos, ausente neste momento, por não haver um grupo social legítimo que o pudesse idealizar e realizar. Isto acabou por permitir o surgimento de um Estado autoritário com características corporativas, que fazia das políticas sociais o instrumento de incorporação das populações trabalhadoras urbanas ao projeto nacional do período.
O Estado Novo, como ficou conhecido este período, vigorou entre 1937 e 1945, sendo marcado no campo social pela instalação do aparato executor das políticas sociais no país. Dentre elas destaca-se a legislação trabalhista, a obrigatoriedade do ensino e a cobertura previdenciária associada à inserção profissional, alvo de críticas por seu caráter não universal, configurando uma espécie de cidadania regulada – restrito aos que tinham carteira assinada.
O sufrágio universal foi reconhecido nesta época como um direito político de indivíduos, excluídos até então, como as mulheres.
Em 1942, período considerado especialmente autoritário do Estado Novo, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor – SAM. Tratava-se de um órgão do Ministério da Justiça e que funcionava como um equivalente do sistema Penitenciário para a população menor de idade. Sua orientação era correcional-repressiva. O sistema previa atendimento diferente para o adolescente autor de ato infracional e para o menor carente e abandonado, de acordo com a tabela abaixo:
Atendimento no Serviço de Assistência ao Menor
Situação irregular
Adolescente autor de ato infracional
Menor carente e abandonado
Tipo de Atendimento
Internatos: reformatórios e casas de correção
Patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos

Além do SAM, algumas entidades federais de atenção à criança e ao adolescente ligadas à figura da primeira dama foram criadas. Alguns destes programas visavam o campo do trabalho, sendo todos eles atravessados pela prática assistencilalista:
·         LBA – Legião Brasileira de Assistência – agência nacional de assistência social criada por Dona Darcy Vargas. Intitulada originalmente de Legião de Caridade Darcy Vargas, a instituição era voltada primeiramente ao atendimento de crianças órfãs da guerra. Mais tarde expandiu seu atendimento.
·         Casa do Pequeno Jornaleiro: programa de apoio a jovens de baixa renda baseado no trabalho informal e no apoio assistencial e sócio-educativo.
·         Casa do Pequeno Lavrador: programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e adolescentes filhos de camponeses.
·         Casa do Pequeno trabalhador: Programa de capacitação e encaminhamento ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda. Casa das Meninas: programa de apoio assistencial e sócio-educativo a adolescentes do sexo feminino com problemas de conduta.
1945 a 1964 – Redemocratização
Abertura política e organização social
O Governo Vargas é deposto em 1945 e uma nova constituição é promulgada em 1946, a quarta Constituição do país. De caráter liberal, esta constituição simbolizou a volta das instituições democráticas. Restabeleceu a independência entre os 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), trouxe de volta o pluripartidarismo, a eleição direta para presidente (com mandato de 5 anos), a liberdade sindical e o direito de greve. Acabou também com a censura e a pena de morte.
Em 1950, foi instalado o primeiro escritório do UNICEF no Brasil, em João Pessoa, na Paraíba. O primeiro projeto realizado no Brasil destinou-se às iniciativas de proteção à saúde da criança e da gestante em alguns estados do nordeste do país.
Do ponto de vista da organização popular, o período entre 45 e 64 foi marcado pela co-existência de duas tendências: o aprofundamento das conquistas sociais em relação à população de baixa renda e o controle da mobilização e organização, que começa a surgir paulatinamente nas comunidades.
O SAM passa a ser considerado, perante a opinião pública, repressivo, desumanizante e conhecido como “universidade do crime”. O início da década de 60 foi marcado, portanto, por uma sociedade civil mais bem organizada, e um cenário internacional polarizado pela guerra fria, em que parecia ser necessário estar de um ou outro lado.
1964 a 1979 – Regime Militar
FUNABEM e Código de 79
O Golpe Militar de 64 posicionou o Brasil, frente ao panorama internacional da guerra fria, em linha com os países capitalistas. Uma ditadura militar foi instituída, interrompendo por mais de 20 anos o avanço da democracia no país. Em 1967, houve a elaboração de uma nova Constituição, que estabeleceu diferentes diretrizes para a vida civil. A presença autoritária do estado tornou-se uma realidade. Restrição à liberdade de opinião e expressão; recuos no campo dos direitos sociais e instituição dos Atos Institucionais que permitiam punições, exclusões e marginalizações políticas eram algumas das medidas desta nova ordem trazidas pelo golpe. Como forma de conferir normalidade a está prática de exceção foi promulgada em 1967, nova constituição Brasileira.
O período dos governos militares foi pautado, para a área da infância, por dois documentos significativos e indicadores da visão vigente:
·         A Lei que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Lei 4.513 de 1/12/64)
·         O Código de Menores de 79 (Lei 6697 de 10/10/79)
A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor tinha como objetivo formular e implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor, herdando do SAM prédio e pessoal e, com isso, toda a sua cultura organizacional. A FUNABEM propunha-se a ser a grande instituição de assistência à infância, cuja linha de ação tinha na internação, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores, seu principal foco.
O Código de Menores de 1979 constituiu-se em uma revisão do Código de Menores de 27, não rompendo, no entanto, com sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Esta lei introduziu o conceito de “menor em situação irregular”, que reunia o conjunto de meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância em “perigo” e infância “perigosa”. Esta população era colocada como objeto potencial da administração da Justiça de Menores. É interessante que o termo “autoridade judiciária” aparece no Código de Menores de 1979 e na Lei da Fundação do Bem Estar do Menor, respectivamente, 75 e 81 vezes, conferindo a esta figura poderes ilimitados quanto ao tratamento e destino desta população.
Estudos
A partir de meados da década de 70, começou a surgir, por parte de alguns pesquisadores acadêmicos, interesse em se estudar a população em situação de risco, especificamente a situação da criança de rua e o chamado delinqüente juvenil. A importância destes trabalhos nos dias de hoje é grande pelo ineditismo e pioneirismo do tema. Trazer a problemática da infância e adolescência para dentro dos muros da universidade, em plena ditadura militar, apresentou-se como uma forma de colocar em discussão políticas públicas e direitos humanos.
Destacam-se os seguintes trabalhos, que ser tornaram referência bibliográfica:
·         “A criança, o adolescente, a cidade”: pesquisa realizada pelo CEBRAP- São Paulo em 1974
·         “Menino de rua: expectativas e valores de menores marginalizados em São Paulo”: pesquisa realizada por Rosa Maria Fischer em 1979
·         “Condições de reintegração psico-social do delinqüente juvenil; estudo de caso na Grande São Paulo”: tese de mestrado de Virginia P. Hollaender pela PUC/SP em 1979
·         “O Dilema do Decente Malandro” tese de mestrado defendida por Maria Lucia Violante em 1981, publicado posteriormente pela editora Cortez.
Década de 80 – Abertura Política e nova Redemocratização
Bases para o Estatuto
A década de 80 permitiu que a abertura democrática se tornasse uma realidade. Isto se materializou com a promulgação, em 1988, da Constituição Federal, considerada a Constituição Cidadã.
Para os movimentos sociais pela infância brasileira, a década de 80 representou também importantes e decisivas conquistas. A organização dos grupos em torno do tema da infância era basicamente de dois tipos: os menoristas e os estatutistas. Os primeiros defendiam a manutenção do Código de Menores, que se propunha a regulamentar a situação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular). Já os estatutistas defendiam uma grande mudança no código, instituindo novos e amplos direitos às crianças e aos adolescentes, que passariam a ser sujeito de direitos e a contar com uma Política de Proteção Integral. O grupo dos estatutistas era articulado, tendo representação e capacidade de atuação importantes.
Antonio Carlos Gomes da Costa relata algumas das estratégias utilizadas por este grupo para a incorporação da nova visão à nova Constituição: “Para conseguir colocar os direitos da criança e do adolescente na Carta Constitucional, tornava-se necessário começar a trabalhar, antes mesmo das eleições parlamentares constituintes, no sentido de levar os candidatos a assumirem compromissos públicos com a causa dos direitos da infância e adolescência”.
Formada em 1987, a Assembléia Nacional Constituinte, presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, membro do PMDB, era composta por 559 congressistas e durou 18 meses. Em 5 de outubro de 1988, foi então promulgada a Constituição Brasileira que, marcada por avanços na área social, introduz um novo modelo de gestão das políticas sociais – que conta com a participação ativa das comunidades através dos conselhos deliberativos e consultivos.
Na Assembléia Constituinte organizou-se um grupo de trabalho comprometido com o tema da criança e do adolescente, cujo resultado concretizou-se no artigo 227, que introduz conteúdo e enfoque próprios da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, trazendo os avanços da normativa internacional para a população infanto-juvenil brasileira. Este artigo garantia às crianças e adolescentes os direitos fundamentais de sobrevivência, desenvolvimento pessoal, social, integridade física, psicológica e moral, além de protegê-los de forma especial, ou seja, através de dispositivos legais diferenciados, contra negligência, maus tratos, violência, exploração, crueldade e opressão.
Estavam lançadas, portanto, as bases do Estatuto da Criança e do Adolescente. É interessante notar que a Comissão de Redação do ECA teve representação de três grupos expressivos: o dos movimentos da sociedade civil, o dos juristas (principalmente ligados ao Ministério Público) e o de técnicos de órgãos governamentais (notadamente funcionários da própria Funabem).
Muitas das entidades vindas dos movimentos da sociedade civil surgiram em meados da década de 80 e tiveram uma participação fundamental na construção deste arcabouço legal que temos hoje. Como exemplos, destaca-se o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985 em São Bernardo do Campo, um importante centro sindical do país, e a Pastoral da Criança, criada em 1983, em nome da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, envolvendo forte militância proveniente dos movimentos sociais da igreja católica.
Década de 90 – Consolidando a Democracia
ECA e realidade
A promulgação do ECA (Lei 8.069/90) ocorreu em 13 de Julho de 1990, consolidando uma grande conquista da sociedade brasileira: a produção de um documento de direitos humanos que contempla o que há de mais avançado na normativa internacional em respeito aos direitos da população infanto-juvenil. Este novo documento altera significativamente as possibilidades de uma intervenção arbitrária do Estado na vida de crianças e jovens. Como exemplo disto pode-se citar a restrição que o ECA impõe à medida de internação, aplicando-a como último recurso, restrito aos casos de cometimento de ato infracional.
Desde a promulgação do ECA, um grande esforço para a sua implementação vem sido feito nos âmbitos governamental e não–governamental. A crescente participação do terceiro setor nas políticas sociais, fato que ocorre com evidência a partir de 1990, é particularmente forte na área da infância e da juventude. A constituição dos conselhos dos direitos, uma das diretrizes da política de atendimento apregoada na lei, determina que a formulação de políticas para a infância e a juventude deve vir de um grupo formado paritariamente por membros representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das instituições governamentais.
No entanto, a implementação integral do ECA ainda representa um desafio para todos aqueles envolvidos e comprometidos com a garantia dos direitos da população infanto-juvenil. Antonio Carlos Gomes da Costa, em um texto intitulado “O Desfio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente”, denomina de salto triplo os três pulos necessários à efetiva implementação da lei. São eles:
1.      Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar à nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis municipais, com os conselhos e fundos para a infância.
2.      Ordenamento e reordenamento institucional: colocar em prática as novas institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares, fundos, instituições que executam as medidas sócio-educativas e articulação das redes locais de proteção integral.
3.      Melhoria nas formas de atenção direita: É preciso aqui “mudar a maneira de ver, entender e agir” dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e adolescentes”. Estes profissionais são historicamente marcados pelas práticas assistencialistas, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na historia das práticas sociais do Brasil.

Com isto, há ainda um longo caminho a ser percorrido antes que se atinja um estado de garantia plena de direitos com instituições sólidas e mecanismos operantes. No entanto, pode-se dizer com tranqüilidade que avanços importantes vêm ocorrendo nos últimos anos, e que isto tem um valor ainda mais significativo se contextualizado a partir da própria história brasileira, uma história atravessada mais pelo autoritarismo que pelo fortalecimento de instituições democráticas. Neste sentido, a luta pelos direitos humanos no Brasil é ainda uma luta em curso, merecedora da perseverança e obstinação de todos os que acreditam que um mundo melhor para todos é possível.
O modelo de responsabilidade ou etapa garantista é decorrente do garantismo penal busca a preservação dos direitos e garantias individuais contra a opressão do Leviatã estatal. Um ser humano é e sempre será hipossuficiente contra o gigantesco aparelho repressor do Estado. Por isso é importante preservar todos os seus direitos e, em especial, preservar SEMPRE as conquistas que custaram tanto sangue, suor e lágrimas à humanidade ao longo da história.
Quais sejam, presunção de inocência, ônus da prova cabendo ao acusador, todos são inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, etc. O primeiro passo de toda e qualquer ditadura é vir com essa lenga lenga furada de colocar os "interesses da sociedade" acima dos direitos e garantias individuais. Assim se conseguem os bodes expiatórios e os bois de piranha de vez em quando são expostos no santo altar da hipocrisia para sofísticamente aplacar alguns delitos. Na verdade, imolam alguns nos altares do cinismo para que tudo permaneça igual.
Os Códigos Penal e de Processo Penal brasileiros foram feitos no tempo do Estado Novo Getulista, sempre amparados pela garantia primeira dos "interesses da sociedade"... Se as pessoas soubessem quanta gente morreu, foi torturada e banida do Brasil em nome dos "interesses da sociedade", pensariam duas vezes antes de defender tamanha bobagem.
O sistema penal brasileiro ainda é extremamente inquisitório, em contraposição ao sistema penal acusatório existente em nações mais civilizadas. Uma dentre muitas das características que marcam esse sistema penal anacrônico e perverso que ainda temos no Brasil é o fato do juiz ser, ao mesmo tempo, responsável pelo julgamento e pela coleta de documentos para instruir os processos. Daí surgem os barbosas da vida que, contaminados pela assistência acusatória que prestam durante a instrução do processo, não mais conseguem se desvencilhar do olhar acusador e aí praticam as barbaridades que estamos presenciando no julgamento farsesco da AP 470.
Em qualquer nação mínimamente civilizada, o juiz que instrui o processo não é o mesmo que julga, pois quem instrui já está contaminado pelo "vício" de promotor e não terá a isenção necessária para julgar a causa no final dos procedimentos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já tem jurisprudência formada a esse respeito. Ou seja, já solicitaram a anulação de julgamentos com base na ausência do juiz imparcial. Por isso sou terminantemente a favor do garantismo penal, o problema das não condenações não é o garantismo, mas sim as brechas legais. Agora, quem acha que vai terminar com os delitos através do endurecimento da legislação penal ou do aumento vergonhoso do arbítrio de juízes em tribunais de exceção, me perdoem, mas estão redondamente enganados! O aumento do arbítrio somente serve, históricamente, para encarcerar os desvalidos e ou os bois de piranha que volta e meia surgem mediante abominável publicidade opressiva.
Por fim, vai um trecho de um excelente artigo de Luiz Flávio Gomes sobre o caso do "mensalão":
"A mesma coisa não se pode dizer em relação à garantia do julgamento por juiz imparcial.
Atraso cultural, autoritarismo tradicional, democracia incipiente e desrespeito ao direito e à jurisprudência internacionais explicariam a regra do regimento interno do STF (artigo 230) que determina ser relator do processo o mesmo ministro que investiga o crime na fase preliminar.
Todos os atos investigatórios ou cautelares, posteriores ao recebimento do inquérito — como requerimento de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas invasivas — são processados e apreciados, em autos apartados, pelo relator. Sob sigilo, sublinhe-se.
É evidente que esse vínculo psicológico do relator com as diligências investigativas o aproxima da posição do inquisidor, afetando profundamente o que existe de mais sagrado na figura do juiz, a imparcialidade.
Barbosa conduziu toda essa fase preliminar e foi se envolvendo paulatina e psicologicamente com ela, o que seguramente explica o seu enfático e midiático voto pelo recebimento da denúncia. Nessa altura dos acontecimentos, certamente não vai se afastar do processo, mesmo porque, se for coerente com tudo que ele já escreveu e falou publicamente, será o mais implacável algoz de todos ou de muitos dos réus.
O grave problema técnico e jurídico do autoritário regimento é que quem investiga o crime não pode ao mesmo tempo ser juiz do processo.
Quem diz isso? A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, especialmente no caso Las Palmeras contra Colômbia.
Viola a garantia do juiz imparcial o magistrado que cumpre o duplo papel de "parte" (investigador) e de juiz. Com base nesse argumento, a chance de uma eventual anulação de toda condenação é muito grande.
A despótica determinação regimental, secundada pela jurisprudência do próprio STF, está ultrapassada e contraria frontalmente o direito internacional, ainda muito negligenciado pela vivência jurídica nacional.
De outro lado, há defensor afirmando que Barbosa, no momento em que recebeu a denúncia (contra todos os 38 réus), precisamente em razão da sua vinculação psicológica com a fase inquisitorial, não proferira uma decisão puramente formal, como deveria. Acabou praticamente julgando o mérito do caso. E quem assim procede não pode, depois, ser juiz do processo (caso Herrera Ulloa contra Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos Humanos).
A novela do mensalão, como se vê, ainda vai se desenrolar por muitos anos mais, porque ela tende a chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos".
O modelo misto representam os últimos modelos jurídicos em desenvolvimento. Assim se denominam em virtude da adoção de critérios, ideias e traços do modelo educativo e ao mesmo tempo do modelo de responsabilidade.
Em realidade, são mistos porque plasmam a chamada política dos 4Ds e as regras
derivadas das recomendações internacionais em matéria de Justiça Penal Juvenil. A Política dos 4Ds se define basicamente pelos seguintes princípios: Descriminalização,
Diversão – Diversion - , Devido Processo Legal e Desinstitucionalização. De fato, junto ao modelo de responsabilidade se acrescentam finalidades políticocriminais
que podem ao final e ao cabo convergir para uma busca de solução fora dos e transdendente aos marcos da dogmática penal tradicional, o que no campo do Direito Penal Juvenil vem a se concretizar como um modelo híbrido ou misto.
Contudo, o esforço classificatório não apazigua outros problemas como o do reconhecimento do Direito Penal Juvenil como um direito penal de culpabilidade, mesmo em face da regra da inimputabilidade penal. Este é talvez o maior desafio a ser enfrentado com vistas a descrever os principais elementos de uma teoria da responsabilidade dos menores de idade.
Cabe destacar portanto que qualquer que seja a classificação adotada para o Modelo e a regulação da Justiça juvenil somente existem duas alternativas plausíveis: o Direito Penal ou a Não-intervenção. O reconhecimento de atenuantes e alternativas à institucionalização por razões garantistas e também em virtude do princípio utilitarista da não dessocialização não afasta o Direito penal.
Tendo como conclusão que O objetivo foi basicamente demonstrar como as medidas socioeducativas tem contribuído para ajudar na diminuição ou no aumento da prática de atos infracionais, cada vez mais crescente entre os adolescentes, resultando na reincidência desses atos, uma vez que conforme foi possível observar um grande número de jovens infratores já havia cometido algum tipo de delito. Portanto, demonstraram os resultados, que são de pouca eficiência as medidas aplicadas em virtude das inúmeras dificuldades encontradas pelos órgãos executores.
A principal causa que contribui para dificultar a execução das medidas está na falta de estrutura adequada e pessoal capacitado, propiciando um ineficiente cumprimento da medida aplicada, o que consequentemente vem a contribuir para que adolescentes voltem a praticar delitos, como reflexos de uma medida mal executada, chegando aos elevados índices de reincidência observados no decorrer do trabalho.
Contudo, cabe ressaltar que a responsabilidade não recai totalmente sobre o Estado, mas de forma solidária aos demais responsáveis, família e sociedade, por não cumprirem com seus papéis que lhes são atribuídos para alcançar a efetiva recuperação e ressocialização do jovem infrator, pois conforme foi possível concluir a execução das medidas requer uma participação conjunta de todas as instituições mencionadas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é sem dúvida uma das leis mais avançadas por contemplar inúmeros direitos e garantias às crianças e aos adolescentes, porém a ineficiência do Estado em não cumprir com o que estabelece as legislações vigentes comprometem a execução das medidas previstas que possam efetivamente surtir os efeitos almejados.
Assim notadamente havendo tantas falhas nas medidas de prevenção e posteriormente na repressão, com a aplicação das medidas socioeducativas, fica fácil constatar porque grande parte dos adolescentes voltam a reincidir e novamente se veem submetidos à aplicação de novas medidas que não foram suficientemente capazes de reeducá-los, criando portanto um círculo vicioso, onde o Estado gasta, mal e muito, em diversos setores da estrutura governamental, sobretudo na segurança pública, esquecendo-se da educação, saúde, cultura, lazer, e demais setores tão importantes que poderiam fazer surtir efeitos mais concretos.
A ausência de políticas públicas talvez seja o maior dos problemas para cuidar dos jovens, onde se possa buscar a integração entre os órgãos, família e sociedade, conscientizando-os de suas responsabilidades em relação aos adolescentes. Pois com os diversos problemas verificados na execução das medidas socioeducativas, trazem poucos resultados para coibição da prática de novos delitos pelos jovens, uma vez que muitos voltam a sua origem problemática de pobreza, desestruturação familiar, envolvimento com drogas, entre os diversos vetores que levam os jovens a delinquir, os quais não são trabalhados de forma preventiva. Porém, uma vez inseridos no sistema de medidas, cabe ao Estado garantir todas as condições necessárias para sua recuperação, implementando programas e investindo na estrutura necessária para a correta execução das medidas alcançando-se os fins colimados.

 

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